12 agosto 2017

o oito e o oitenta

A única objecção que o senhor Américo Amorim levantou acerca da obra do Joãozinho, e que respeitava à sua dimensão, não me surpreendeu porque eu próprio a tinha. Não podendo fazer nada acerca dela, serviu-me de tema de reflexão cultural.

Era passar do oito para o oitenta, de uma construção feita de contentores metálicos para um moderno edifício de cinco andares no valor de vinte milhões de euros, a que havia de acrescentar IVA no montante de quase cinco milhões.

Este balancear entre o oito e o oitenta é um traço característico da nossa cultura católica. Durante anos não se faz nada, ou deixa-se arruinar o que existe, mas depois, quando se faz, a ambição é fazer o que de melhor existe no mundo.

A obra do Joãozinho é um caso paradigmático. Não apenas no exagero da dimensão, mas na sua própria filosofia, que é a imitação de uma filosofia que há décadas se impôs no estrangeiro - a do hospital pediátrico integrado´, que funciona junto a uma hospital geral. A tradição era a de hospitais pediátricos separados dos hospitais gerais, de que o D. Estefânia em Lisboa e o D. Maria no Porto eram os exemplos mais conhecidos.

A cultura católica é um pêndulo que oscila em torno do centro, mas cujos extremos estão muito afastados. Entre o oito e o oitenta a média é quarenta e quatro, mas entre o quarenta e quatro e o oito existe uma distância muito grande, que é igual à que o separa do oitenta.

É diferente a cultura protestante que nós tanto procuramos imitar agora. A variância em torno do centro é muito pequena, e assumindo por um instante que a  média é a mesma - quarenta e quatro -, o pêndulo oscila apenas entre quarenta e quarenta e oito.

Na realidade, porém, o centro não é sequer o mesmo. Na cultura católica o centro é a pessoa humana, ao passo que na cultura protestante - à imitação da cultura judaica - o centro é a lei.

De maneira que, quando a cultura católica procura imitar a cultura protestante, encontra dois problemas. Primeiro, tem de se descentrar e apontar a um outro alvo - a lei, em lugar da pessoa. E, segundo, fá-lo com toda a carga de exagero ou variabilidade que tradicionalmente transporta consigo.

O resultado é previsível. Quando acerta, acerta em cheio e com exagero. Quando falha, falha rotundamente e com estrondo. Normalmente, falha nas Finanças e na Justiça, e é por aí que normalmente também a democracia partidária - que é o regime político do protestantismo -, cai nos países de tradição católica.

Sem comentários: