19 fevereiro 2013

aprendemos pouco



Eu compreendo bem a aversão que o Pedro tem ao «estrangeiro», ele que teve de aturar durante anos os aborígenes do Canadá, onde a mescla sociológica, cultural e religiosa (embora a maioria da população continue a ser católica) provavelmente o tenha desiludido. Compreendo-o perfeitamente porque, eu próprio, nas minhas andanças por Terras de Vera Cruz, onde a proximidade ao caldo verde e aos rojões minhotos é certamente bem maior do que a dos canadenses, que falam duas línguas e nenhuma delas é o português, já começo a fartar-me violentamente do «feijão com o arroz», do «samba-no-pé» (embora algumas “sambistas” sejam merecedoras da melhor atenção) e do «légal» «géral» com que esta malta encara a existência.

Dito isto, quero realçar que o exemplo, aqui dado, da monarquia constitucional inglesa, como paradigma de sistema político equilibrado e adequado ao modelo da democracia liberal, nada tem a ver com qualquer estrangeirismo, mas antes com a procura do modelo-tipo ideal de governo (ou mais conveniente, para sermos justos) para uma sociedade em que o estado seja módico, a liberdade individual respeitada e responsabilizada, e a política remetida para o seu justo lugar, que é o das coisas comuns, sendo estas no menor número possível, no respeito do que pertence a cada um. Porque se vai a Inglaterra, em vez de ir à nossa ancestralidade? Porque esta pouco tem de genuíno e de original no que toca ao modelo de governação, em nenhum dos seus períodos e das suas várias influências. E porque o modelo inglês, enquanto sistema que teve aplicação e resultados históricos, é, de longe, aquele que mais se adequa a uma são ideia de liberdade, isto muito antes da cisão com o Papa e o anglicanismo.

Por outro lado, se quisermos pôr os olhos nas nossas melhores tradições, é para a Inglaterra que devemos olhar. Não por acaso, a Aliança Luso-Inglesa data de 1373 e é a aliança diplomática ainda em vigor mais antiga do mundo. E se hoje ela quase para nada presta, fruto do francesismo imposto pelo «liberalismo» de oitocentos e da influência da Enciclopédia e da Revolução Francesa sobre as elites nacionais, se praticamente se esboroou no espaço com o do Mapa Cor-de-Rosa e o episódio da perda de Goa, a verdade é que a nossa tradição histórica devia estar mais próxima da Inglaterra do que está, hoje ainda, de França. Por conseguinte, caro Pedro, o que seria estranho, para quem estima a Tradição, era que não apelássemos à nossa velha aliança com a Inglaterra e, já agora, que não procurássemos aprender alguma coisa com o que eles têm de bem sucedido e em que nos podem ajudar. E o seu robusto modelo político-constitucional, suportado por uma unwritten constitution, por sinal, a mais velha Constituição política do mundo, que colhe o direito legislado, consuetudinário e jurisprudencial, com uma monarquia tradicional firme, um parlamento bem estruturado e um governo que respeita as leis e os costumes do reino, devia ser um exemplo para nós. Infelizmente, apesar de sermos os seus mais antigos aliados, não aprendemos muito com eles.

23 comentários:

José Lopes da Silva disse...

Era interessante desenvolver esse tema da aversão às Terras de Vera Cruz. O Brasil não só é o maior país católico do mundo como é, provavelmente, a maior contribuição que Portugal deu ao mundo. São assim tão radicais essas diferenças culturais entre Portugal e o Brasil?

Em posts antigos o PA já mencionou o tema da aproximação à Inglaterra. Também por aí as vossas argumentações são convergentes.

José** disse...

Grã-Bretanha deve servir-nos de factor de emulação.

E não inspiração nem imitação.

José** disse...

Grã-Bretanha deve servir-nos de factor de emulação.

E não inspiração nem imitação.

Anónimo disse...

Rui,
Nenhuma aversão ao estrangeiro.
Grande aversão ao provincianismo dos intelectuais portugueses em relação ao estrangeiro.
No caso dos canadianos, trataram-me sempre bem. Impecavelmente.
Eu só comecei a ser mal tratado quando regressei a Portugal, frequentemente por intelectuais, muitas vezes professores.
Broncos e mal educados até mais não.
Eu nem queria acreditar.
Acabei por me habituar.
PA

muja disse...

Perda de Goa não. Perda do Estado Português da Índia: Goa, Damão, Dio e não só.

E não foi um "episódio".

Foi uma agressão sem provocação nem aviso de um estado soberano a outro. Portanto infame e ignóbil. Apenas superada em ignomínia pela traição ao povo português da Índia pelo asqueroso Soares aquando do reconhecimento oficial da soberania da União Indiana sobre o território ancestralmente português, suas gentes e sua cultura.

O Japão sofreu a maior catástrofe da sua história por menos que isso.

A aliança inglesa resumiu-se a um mero protesto. Portugal não tem verdadeiros aliados nem nunca teve. Sempre que fomos forçados a recorrer a auxílio estrangeiro pagámo-lo caro.

Estivemos, estamos e estaremos sempre sós. O que depende de nós é se o estaremos orgulhosamente ou não.

Salazar sabia mais a dormir do que todos os "democratas humanistas" juntos acordados.

Vivendi disse...

Rui A.

Já que tocou no Brasil. Vamos lá dissertar por esta via. A independência do Brasil não foi permitida por uma monarquia constitucional a soldo da maçonaria inglesa?

O maior atentado na destruição do império português.

O que Portugal e o Brasil ganharam com isso?

E não me venha com desculpas relativistas.

Tradição sempre para as constituições eu viro o cu.

José Lopes da Silva disse...

A independência do Brasil foi determinada por um Rei absolutista, governando a partir do Rio de Janeiro, em 1815.

Vivendi disse...

José Lopes da Silva

Absolutista ou absolutamente entalado:

Um dos últimos representantes do absolutismo, Dom João viveu num período tumultuado, e seu reinado nunca conheceu paz duradoura. Ora era a situação portuguesa ou europeia a degenerar, ora era a brasileira. Não esperara vir a ser rei; só ascendeu à posição de herdeiro da Coroa pela morte de seu irmão mais velho, Dom José. Assumiu a regência quando sua mãe, Dona Maria I, foi declarada mentalmente incapaz. Teve de lidar com a constante ingerência nos assuntos do reino de nações mais poderosas, notadamente a Espanha, França e Inglaterra. Obrigado a fugir de Portugal quando as tropas napoleônicas invadiram o país, chegando à colônia enfrentou revoltas liberais que refletiam eventos similares na metrópole, e foi compelido a retornar à Europa em meio a novos conflitos. Perdeu o Brasil quando seu filho Dom Pedro proclamou a independência e viu seu outro filho, Dom Miguel, rebelar-se buscando depô-lo. Finalmente, foi provado há pouco tempo que morreu envenenado. Seu casamento foi da mesma forma acidentado, e a esposa, Dona Carlota Joaquina, repetidas vezes conspirou contra o marido em favor de interesses pessoais ou da Espanha, seu país natal.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_VI_de_Portugal

José Lopes da Silva disse...

Vivendi,

Foi a mesma maçonaria que permitiu o maior atentado na destruição do império inglês que foi a perda dos Estados Unidos, certo? Afinal, os valores maçónicos estão na base da constituição americana.

Francisco Brito disse...

"porque se vai a Inglaterra, em vez de ir à nossa ancestralidade? Porque esta pouco tem de genuíno e de original no que toca ao modelo de governação, em nenhum dos seus períodos e das suas várias influências"

Caro Rui A.,

Desculpe que lhe diga mas o que disse é um disparate e revela algum desconhecimento da nossa História. Posso afirmar-lhe que em muitos aspectos há no nosso modelo de governação coisas únicas. Basta olhar para a forma como os municípios eram governados,o que as comunidades locais representavam e como eram representadas, como as Cortes escolhiam o Rei (em Portugal nunca vigorou o "the king is dead, long live the king"), etc.
Também sou um admirador de Inglaterra e uma das razões porque o sou é pelo simples facto de que o Reino Unido, pelo menos de há uns séculos para cá, soube ser original. O português, pelo contrário, imita, não conhece o que é seu (nem se preocupa em conhecer) e tende a encarar o que vêm lá de fora como a derradeira fórmula para a salvação nacional.
Muito sinceramente recomendo que se estude primeiro o que era em teoria e na prática o modelo português (que de facto existiu num determinado período e foi um sucesso), que se estudem as nossas "liberdades" (ainda que acidentais como referiu num texto seu Pulido Valente) de um período mais recente, etc. Só assim será possível deixar os disparates de lado e pensar com seriedade numa eventual mudança de modelo governativo.

PS: é por não se perceber nada disto que em Lisboa as "elites" não entendem o porquê da revolta das populações com a reforma "Relvas".

Francisco Brito disse...

Já agora...

recomendo (a partir do 1min15):

http://www.youtube.com/watch?v=LMtPSyfO77E&list=UUMncWFDRLBFz39jC29_S3xw


E para além do Agostinho da Silva, há também um outro autor (de outra orientação política) que também percebeu Portugal: Pascoaes. Estes dois senhores, que perceberam Portugal como poucos, se fossem lidos e estudados, espremendo o seu pensamento até ao sumo (o que implicaria relevar as belíssimas utopias, poesias e misticismos) e esquecendo algumas generalizações e trejeitos de época, poderiam dar um contributo fabuloso e equilibrado para a escolha de um novo modelo português.

rui a. disse...

"a forma como os municípios eram governados"
Quer discorrer sobre este tema? Tem algum período especial a que queira dedicar-se?

Francisco Brito disse...

Caro Rui A.,

Lamento mas não sou a pessoa mais indicada para discorrer sobre este tema com a profundidade que o assunto merece. Há vários estudos publicados sobre este tema da autoria de diversos especialistas (das mais diferentes épocas e de diversos quadrantes ideológicos).Se estiver verdadeiramente interessado terei todo o gosto em indicar-lhe aqui ou através do seu e-mail diversas referências bibliográficas sobre a matéria. Depois poderá tirar as suas próprias conclusões.

rui a. disse...

Prezado FB,

Conheço alguma coisa a respeito do tema, embora não seja propriamente doutorado nele.
De todo o modo, está longe de me parecer que o nosso municipalismo (que o Herculano romanceou um bom bocado...) seja prova de "muitos aspectos há no nosso modelo de governação coisas únicas".

Cumprimentos,

rui a. disse...

Prezado FB,

Conheço alguma coisa a respeito do tema, embora não seja propriamente doutorado nele.
De todo o modo, está longe de me parecer que o nosso municipalismo (que o Herculano romanceou um bom bocado...) seja prova de "muitos aspectos há no nosso modelo de governação coisas únicas".

Cumprimentos,

Francisco Brito disse...

É-o na maneira em que foi um garante da liberdade das comunidades e, ao que parece, muito embora tenha sido construído com influência leonesa (creio) nos séculos X, XI e XII evoluiu para um modelo próprio de governo muito interessante. De certa forma esse modelo governativo e de divisão do território foi adulterado numa primeira fase pelo facto da sociedade se ter "fechado" (e aí só era possível aceder aos mais altos cargos da governança local pelo "sangue", nobre ou fidalgo, claro está...) e depois, em certa medida, pelo liberalismo e pela reforma administrativa que então foi levada a cabo.
Mas para além do caso dos municípios tem ainda os outros casos que referi, talvez mais interessantes ainda, como por exemplo o da escolha (ainda que condicionada) do Rei em Cortes e da própria relação deste com o seu povo o tal "rei que governava municípios republicanos" como diz e bem Agostinho da Silva, referindo-se a uma certa fase da nossa monarquia. Haverá ainda outras originalidades nas formas de governo em Portugal e nos domínios portugueses, fruto do nosso pioneirismo no conhecimento e contacto do resto do globo.
Admiro muito o modelo britânico (isto sem entrar em considerações sobre o tipo de chefia do estado) e creio que dão lições de democracia e de liberdade a todos os países do mundo. Os franceses acham que dão, mas há coisas que não entendem (ainda estão a digerir todas aquelas cabeças cortadas). Contudo, relativamente aos britânicos, para entrar agora no campo do humor ou pelo menos num não argumento (sem cair na vulgaridade de o lembrar que o chá das 5 é português), lembre-se sempre que no tempo em que os portugueses comiam com faca e garfo e em pratos de porcelana da china, os nossos amigos ingleses ainda se sujeitavam à "inesteticidade" do barro e a comer com as mãos. E isto quererá certamente dizer alguma coisa!

Cumprimentos,
Francisco Brito

Duarte Meira disse...

« Porque se vai a Inglaterra, em vez de ir à nossa ancestralidade? Porque esta pouco tem de genuíno... »

Caro Rui A.:

Julgo que os comentários de FB são procedentes. Entre nós, o rei sempre governou com os concelhos, as beetrias, as terras coutadas das ordens religiosas e militares, - contra os poderes senhorais tendencialmente feudalizantes, dos senhores clericais ou seculares. Ao contrário da Inglaterra normanda, onde vemos os barões feudais fazerem desde sempre frente unida contra a centralização e engrandecimento da autoridade real, que não encontrou na massa popular nenhuma escora de apoio para os enfrentar, ficando reduzida à exploração das divisões entre os grandes feudais.

A tese de Herculano (e de Gama Barros) pode ter sido exagerada, mas era fundamentada.

Vivendi disse...

"Foi a mesma maçonaria que permitiu o maior atentado na destruição do império inglês que foi a perda dos Estados Unidos, certo? Afinal, os valores maçónicos estão na base da constituição americana."

Claro... A maçonaria apareceu para alterar a ordem natural das coisas. Revoluções, o napoleão, guerras civis, divisões seculares, e até as grandes guerras e o comunismo só foram possíveis com o financiamento de muito dinheiro e quem estava a patrocinar a brincadeira?

José Lopes da Silva disse...

Vivendi,
O tema levava-nos para limites que talvez não seja totalmente relevante explorar, pois eu não vou aqui negar que a maçonaria existe e tinha um projecto. Acho sempre é que se perde por exagerar. Este tema das descolonizações anda sempre à volta do "alguém desencaminhou os nossos" e "nós estávamos sozinhos". A descolonização do século XVIII começa com a Inglaterra, que tinha todos os meios para impedir que as suas colónias se separassem. A maçonaria promoveu a separação? Talvez, mas as separações não se promovem sozinhas. Esse argumento faz-me lembrar aqueles que dizem que Salazar governava uma ditadura feroz e que durante 40 anos a PIDE mantinha o povo em silêncio contra vontade. Bem sabemos que, mais ou menos explícito, mais ou menos tácito, consoante as épocas e as regiões, a II República teve apoio popular

José Lopes da Silva disse...

Ou como dizer que foi a Igreja Católica e o Exército a promoverem uma ditadura que defendesse os seus interesses. As colónias americanas separaram-se porque viram interesse e oportunidade nisso. As colónias ibéricas e a francesa separaram-se porque viram oportunidade, interesse e o exemplo americano. Se tivessem visto interesse em manter a união, como viu o Canadá, teriam mantido e não haveria maçonaria que as levasse a isso.
E no século XX não foi muito diferente - e mais uma vez, as comunidades portuguesas viram o exemplo dos outros.

José Lopes da Silva disse...

A independência do Brasil foi declarada porque as elites políticas de lá o determinaram, e porque derrotaram os parcos meios militares que Portugal lá dispunha, numa disparidade tão desequilibrada (se comparada com a guerra americana e as duas décadas de combates nas colónias espanholas) que a História quase não a registou. Dizer que a monarquia constitucional entregou o Brasil é desrespeitar esses soldados que deram a vida por Portugal no imediato pós-1822.

Vivendi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vivendi disse...

José Lopes da Silva,

Qualquer civilização enfraquece-se e destrói-se sempre por dentro.

Viu-se bem após o 74 quem era quem do outro lado. As expulsões e atentados do tempo da instauração da república.

Recomendo a visualização destes vídeos para perceber como funciona o dinheiro.

Os Mestres do Dinheiro

http://www.youtube.com/watch?v=hWpy4iTCjww

http://www.youtube.com/watch?v=ZrPrOIqlDhw


Aqui terá uma visão de como funciona o poder e as derivas históricas...