01 novembro 2012

um novo bordão



Num impressionante exercício de honestidade intelectual, talvez o mais radical e, também por isso mesmo, o mais interessante a que assisti nos meus dias, o Pedro Arroja tem vindo a desconstruir tudo aquilo em que acreditou ao longo dos anos, tendo-se tornado no mais fervoroso crítico de si mesmo e daquilo que defendia no passado. Este exercício de dúvida metódica e de considerar como tabula rasa todo o conhecimento adquirido é muito próprio da mentalidade racionalista do Iluminismo (a que o Pedro pertence como poucos, embora não tenha a plena consciência disso) e levou-o, num exercício puramente racional, do “tira estado, mete estado”, como ele, com graça, baptizou o liberalismo, para uma outra Verdade, a que poderíamos chamar, por similitude, de “tira Igreja, mete Igreja”. Ou seja, enquanto que, no passado, o Pedro acreditava que a liberdade individual e humana seria tanto maior e mais gratificante quanto menor fosse a presença e a coacção do estado e dos poderes públicos, o Pedro vê agora nisso uma premissa de valor rudimentar e chegou à conclusão de que a liberdade depende da realização humana numa Comunidade Cristã fundada na Bíblia, sob a autoridade do Papa. Neste contexto, o “tira estado, mete estado” deixa de ter qualquer relevância, e passa a ser um produto intelectual subversivo do protestantismo (na versão mais suave) ou do judaísmo conspiracionista (numa versão mais hardcore).

Neste raciocínio do Pedro subsiste, todavia, uma evidente incongruência. É que o maior inimigo da Igreja Católica enquanto Comunidade Universal, a Respublica Christiana medieval, foi precisamente o estado-nação, que eclodiu contra esta ideia de comunidade cristã universal e contra a autoridade do Papa, e se sedimentou nos séculos seguintes, até chegar ao modelo absolutista contra o qual se rebelaram os liberais clássicos. Na verdade, o estado-nação é, antes de mais, nas suas origens, uma afirmação contra o poder do Papa e da Igreja, vindo de comunidades locais com identidade própria (ou nacional), que se transformariam em comunidades políticas soberanas, onde a autoridade da Igreja não era bem vinda. Para evitar ser maçador, pondo de lado os inúmeros conflitos de poder entre os reinos cristãos europeus e o papado, e ficando-me pelas nossas terras, lembraria as dificuldades, puramente políticas, que o nosso primeiro rei teve para conseguir o reconhecimento da sua dignidade de soberano independente pelo Papa (apenas obtido em 1179, com Alexandre III, trinta anos após o Tratado de Zamora), o facto de quase todos os reis da nossa Iª Dinastia terem sido excomungados, o Beneplácito Régio de Pedro I e, já agora, as inúmeras concórdias e concordatas, instrumentos jurídicos que tinham por finalidade resolver conflitos entre a Coroa e a Igreja local ou sediada em Roma. Não é, pois, necessário chegarmos à laicização jacobina e anti-clerical dos séculos XIX e primórdios do XX, de influência da primeira república socialista francesa e não propriamente liberal-constitucional oitocentista (erro muito comum em que inclusivamente caem alguns liberais, como aqui sucedeu com o Carlos Novais), para assistirmos aos conflitos entre o poder do estado e da Igreja Católica.

Em conclusão, o “tira estado, mete estado”, que o Pedro agora ridiculariza, não é, por isso, apenas útil a quem defende uma liberdade-liberal, mas também àqueles que encontram a liberdade na Igreja Católica, sobretudo se virem esta como orientadora da comunidade social e política. É que num estado omnipresente, com muito “mete estado”, portanto, a presença da Igreja será sempre residual. Para melhor compreensão de todos, eu sintetizaria estas minhas conclusões num novo bordão, que deixo à consideração do Pedro: “mete estado, tira Igreja, mete Igreja, tira estado”. Serve assim?

22 comentários:

zazie disse...

Não creio que o PA tenha deitado abaixo o liberalismo por essa via racional e crítica.

Nunca lhe perguntei mas creio que foi devido a despertar para a crença; uma vez que antes nem seria crente.

Quanto ao tira-estado-mete-igreja penso que nem se trata disso.

Trata-se de englobar a questão económica (a única de que fala o liberalismo) em algo mais vasto- na doutrina cristão que tem por base uma moral e não um utilitarismo de riqueza material.

zazie disse...

Aliás, ele refere isso ali atrás, quando conta como se sentia fechado na arena e foi preciso entrar algo que o fez voar.

Entrou Deus.

fec disse...

não, ele não diz que entrou Deus

diz que entrou Hume

é esse o problema

zazie disse...

E depois de Deus e da crença terá entrado a doutrina cristã.

E, nesse aspecto, o PA tem de ser coerente.

Quem se diz católico ou cristão, não pode adorar Deus e Mammon ao mesmo tempo.

(mas ele ainda é bem liberal. Pode confirmar-se isso quando fala nos cortes na saúde e em achar que um dentista é uma treta estética que deve ser paga pelo próprio bolso, ou ficar desdentado, se não há dinheiro para tanto.

Deveria perguntar quanta porcaria inútil que o Estado gasta antes de achar que se deve tirar dentista a quem precisa).

zazie disse...

Em última instância, se não houvesse mesmo nem mais um tostão onde cortar e estivéssemos em tempo de guerra- cortava-se na educação, mas nunca na saúde.

zazie disse...

Pois é verdade. Também não percebi essa de ter entrado o Hume.

e é um problema, pois. Porque o Hume é apenas um exemplo de filosofia empirista e nem sei para que serve para fazer voar da arena liberal.

zazie disse...

Eu nunca fui lá muito crentinha e portanto nem sei o que é uma revelação da crença.

Mas tenho a certeza absoluta que é devido a essa base moral e católica que embirrei logo com o liberalismo.

E tenho pó e do grande aos comunas e aos xuxas.

zazie disse...

Um católico nunca poderá ser um defensor do utilitarismo.

Acho que é isto.

Pode dizer-se que há muito ateu que também não é defensor do utilitarismo.

Nesse caso. é porque é um bom homem de Deus

ahahahahashahha

Anónimo disse...

petição pela reabilitação póstuma do capitão judeu Barros Basto

zazie disse...

Só faltava agora aparecerem petições para traidores.

Israel que pague.

よりお問合せください。 disse...

かく綺麗なヘッダー画像を作ったとしても、 文字ロゴがあったら台無しですよね? そこで今回はヘッダーのロゴ文字を消す方法を教えます。 はじめに言っておきますけどめちゃくちゃ簡単です。 ヘッダーの文字ロゴを消

zazie disse...

Estive a reler.

Não. O PA diz que o Hume foi o primeiro a proibir a entrada a esse personagem.

Depois diz que foi Kant.

E ele diz que o fez entrar e não contou quem era o personagem.

Eu acho que é Deus, ainda que Kant nunca o tenha tirado, apenas o cientificou.

CN disse...

Rui A

Eu sei muito bem que o estado moderno nasceu da Reforma. Não é erro nenhum meu. Por saber disso, também tenho chamado a atenção, ou procurado chamar, que o estado moderno é o inimigo por excelência da Igreja. Espero que o PA o perceba a tempo.

O constitucionalismo é o desenvolvimento natural desse estado moderno, um documento que pretende dar a legitimidade absoluta a reger as relações dos bons cidadãos, agora uniformizados e iluminados por um documento que substitui a Bíblia, substitui a concorrência das fontes de direito que perduraram durante séculos.

O Rui A. como evolucionista, acha que como assim aconteceu "espontaneamente" o estado moderno e a sua constituição é ponto de chegada.

Eu discordo.

CN disse...


O que pedimos é que o PA mão deixe de reflectir sobre o ethos português e a sua relação com a ciência política e economia, sobre a moral e o que ela deve conter. Por mim pode meter Igreja e tirar Igreja que quiser. Pior são aquele que analisam a historia da europa, e conseguem passar pelos acontecimentos e personalidades concretas e as suas motivações e valores, passando ao lado de quem um era cah, outro protestante (nas suas diferentes variantes), outro ligado aos bancos: Coitados, de história não ficam a perceber nada.

O PA não vai gostar de eu me referir novamente a Rothbard, mas quilo que o PA tem feito em relação à sua análise "culturalista" foi o que Rohtbard sempre fez quando escrevia sobre história.

Quando fala de história, as pessoas são enquadradas na sua origem , religião, família, que relações tinha de poder, etc....quase toda a nossa percepção anterior sobre as coisas muda e as coisas ficam muito mais claras, e percebe-se o encadeamento.

marina disse...

parece-me que a ciência , que tirou poder à igreja e deu-o ao estado - serve de base a inúmeras regulações e leizinhas que acorrentam o cidadão , tem ponderar isso de mete igreja tira estado tira estado mete igreja. que a igreja de hoje já não poderá queimar bruxas , mas o estado anda lá perto.

CN disse...



Há aqui uma observação a fazer: a construção da sabedoria humana de forma cumulativa em direcção a uma verdade nem muitas curvas e contracurvas e saltos para trás e para a frete.

Muitos autores conseguem fazer uma descoberta verdadeira útil e serem terríveis em tudo o resto.

É preciso seguir a história e pescar a ligar as diferentes contribuições.

É uma falácia querer aceitar ou rejeitar por completo a obra de um intelectual.

Diria que assim quase todas tinham de ser rejeitadas.

O que é preciso é um fio comum capaz de conseguir construir o fio condutor certo, e ele existe.

O que me atraiu no "austrianismo" que tem evoluído com muitas contribuições parcelares, é uma consistência enorme em todo o seu edifício.

Ora consistência não faz prova de verdade, mas uma verdade terá que ser consistente.

tric disse...

"(...)parece-me que a ciência , que tirou poder à igreja e deu-o ao estado"
.
alguma vez!!??...quem é que foi desenterrar Euclides...quem é que começou a analizar com espirito critico e a divulgar Euclides no Ocidente...quem é que começou a aplicar o mesmo método que Euclides utilizou para a construção da Biblia da Geometria, para as outras ciencias...Fisica...Quimica ...etc...não me digam que foram os judeus !!!?? ou os Maçons !!?? ou o Estado !!?? foram os Jesuitas, que o atrasado mental do Marquês de Pombal expulsou de Portugal...

Pedro Arroja disse...

Obrigado Rui,
As minhas preces à Nossa Senhora da Aparecida haveriam de resultar.
deixe-me pensar sobre os seus argumentos e irei escrevendo à medida que tiver alguma coisa para dizer.

Esta tarde, enquanto viajava do P. para SMP eu vinha era a pensar em judeus - em mim em primeiro lugar.

Quanto á questão do Hume e do Kant num post em baixo, a redacção não saiu feliz. O Hume foi o porimeiro a expulsar o personagem da arena porque foi o primeiro filósofo ateu, ou pelo menos os britânicos assim o dizem - eles gostam de ser primeiros em tudo.
O Kant meteu-o no armário, porque o excluiu do domínio da discussão racional.
Quanto ao personagem é obviamente Deus.
PA

fec disse...

sim, essa do Hume e de Deus só foi para fazer mais um pedacinho de confusão :)

a zazie viu logo

aproveitei para fazer um pouco de mal :)

a sério, vou continuar a vir para aqui fazer o mal

mas penso que à parte algumas bizarrias (judeus, certas pseudo-tradições, e muitas coisas má(i)s) o seu caminho é excelente

rui a. disse...

Pedro,
Não há dúvida que resultaram, já que "apareci" por aqui!
Abraço e até já,

Anónimo disse...

Era interessante que o Rui aparecesse mais por aqui.

Eu gosto bastante de o ler mas recuso-me a ir ao outro blogue onde escreve um tal de Carlos Abreu Amorim que por mais de uma vez me censurou comentários aos seus posts.

Comentários perfeitamente educados e cordeais, bem entendido.

Talvez não do agrado do sr. deputado, claro. Mas daí a censurar os mesmos.

zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.